Relação entre câncer e fumo foi encoberta por décadas
da Livraria da Folha
"O
Cigarro", escrito por Mario Cesar Carvalho, conta a história da indústria
tabagista e relata os artifícios usados para manipular a opinião pública.
Segundo o autor, a relação entre câncer e fumo é conhecida desde os anos 1950,
fatos que foram encobertos por quatro décadas.
Médico
com tumor fatal escreve livro de despedidaTeste
mostra se você precisa de tratamento para largar o cigarro
O livro faz parte da coleção "Folha Explica", série composta por mais de 80
volumes breves que abrangem de forma sintética diversas áreas do conhecimento.
Cada título resume o que de mais importante se sabe sobre o assunto.
Darwin,
Nietzsche,
Freud,
música
popular,
narcotráfico
e
violência
urbana são exemplos da diversidade dos temas tratados.
A lista de autores que contribuíram para a série inclui nomes como Drauzio
Varella, Alfredo Bosi, Fernando Gabeira, Moacyr Scliar, Marcelo Leite e Rubens
Ricupero.
Esta quinta-feira (29) é o Dia Nacional de Combate ao Fumo. Abaixo, leia um
trecho.
Atenção: o texto reproduzido abaixo mantém a ortografia
original do livro e não está atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo
Ortográfico. Conheça o livro
"Escrevendo
pela Nova Ortografia".
*
Fraude, corrupção e mentiras
Os caubóis parecem os mesmos de sempre --botas, chapelões, calças justas,
laços na mão. A cena lembra em quase tudo um comercial de Marlboro: estão lá a
paisagem selvagem, a música grandiloqüente e o ar estóico dos caubóis. O diabo é
a ação. Em vez de laçar vacas, como sempre fizeram, eles perseguem crianças,
apavoradas com os cavalos que avançam sob uma nuvem de poeira, num tropel de
boiada encurralada. A mensagem não é nada sutil: a indústria do cigarro está
aliciando adolescentes a laço.
Os caubóis laçadores de crianças, protagonistas de uma propaganda contra o
fumo veiculada na TV pelo governo da Califórnia em 1996, marcaram nos EUA o
início de uma nova imagem de massa para o cigarro, a qual se propagou pelo mundo
feito vírus de computador. O comercial simbolizou o início de uma nova era para
o cigarro --a era do ataque. Em vez de sexo, glamour ou aventura, imagens que a
indústria do tabaco cultuava desde 1910, o cigarro passou a simbolizar o mal.
O principal argumento de ataque ao cigarro é a defesa da saúde pública. Como
a música dos comerciais de cigarro, os números usados para aquilatar o tamanho
do desastre também são grandiloqüentes:
- O cigarro matou mais no século 20 que todas as guerras somadas: foram 100
milhões de vítimas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
- O fumo mata 3,5 milhões de pessoas no mundo ao ano, número superior à soma
das mortes provocadas pelo vírus da Aids, pelos acidentes de trânsito, pelo
consumo de álcool, cocaína e heroína e pelo suicídio.
- No Brasil, todo ano, morrem 80 mil pessoas de doenças relacionadas ao fumo,
quase o dobro das vítimas de homicídio no país.
- O cigarro é o maior causador de mortes evitáveis na história da humanidade.
- O futuro pode ser ainda mais tenebroso. Se os padrões de consumo
continuarem inalterados no século 21, o cigarro deverá matar dez vezes mais que
no século passado: um bilhão de pessoas, segundo projeção do Banco Mundial e da
OMS. Em 2020, as mortes por ano deverão atingir a casa dos 10 milhões, se nada
mudar até lá.
Para retratar com mais precisão o tabagismo, elevado à categoria de doença
pela OMS a partir de 1992, os médicos colocaram em circulação um termo reservado
para ocasiões muito especiais: pandemia, ou epidemia generalizada. O cigarro
gerou a maior pandemia da história, na definição da OMS: 1,1 bilhão de pessoas
fuma, o equivalente a um terço da população adulta do mundo.
Ataques contra o fumo existem desde que ele chegou à Europa, no final do
século 15, para onde foi levado pelas mãos de um capitão da equipagem de
Cristóvão Colombo, d. Rodrigo de Xeres, que desembarcara na América em 1492. Que
o tabaco faz mal já se sabe desde o século 18, pelo menos.
A novidade que catalisou os ataques foi um cruzamento inédito de fatos,
comportamentos e descobertas, ocorrido no final do século 20. Ao brutal consenso
científico de que o cigarro causa pelo menos meia centena de doenças, somaram-se
uma obsessão com o corpo e com a saúde jamais vista e a descoberta de que a
indústria do tabaco cometeu uma sucessão de fraudes, propagou mentiras com ares
de controvérsia científica e enganou os consumidores num nível provavelmente
inédito na história do capitalismo.
A satanização do fumo não ocorreu por acaso no final do século 20. O
puritanismo dominante na sociedade americana e sua repulsa a todo e qualquer
tipo de prazer receberam uma chancela científica ao ter escolhido o cigarro como
alvo. Não é um prazer qualquer que está na mira - é um prazer que mata. Um
puritano jamais conseguirá entender uma das definições de Cícero (106-43 a.C.)
para a felicidade: "Vive-se bem quando se é capaz de desprezar a morte".
O poder das empresas que fabricam cigarros também ajudou a galvanizar o ódio
ao fumo. Se fosse contada só com os fatos que a indústria escondeu ou deturpou,
a história do cigarro seria uma sucessão de fraudes, corrupção e mentiras. As
duas maiores fraudes praticadas pela indústria parecem hoje risíveis diante das
provas científicas:
- Os fabricantes de cigarro tentaram criar um clima de controvérsia para um
fato que eles próprios conheciam desde os anos 50 e só admitiram 40 anos depois
- o de que o cigarro provoca câncer de pulmão.
- Eles também negaram o tempo todo que o cigarro fosse uma droga que causa
dependência, pior até do que aquela provocada pela cocaína e heroína, porque
nenhum usuário dessas duas drogas consome-as com a mesma freqüência que um
fumante.
Isso aconteceu praticamente no mundo todo. Mas nos EUA o consumidor sente-se
afrontado quando é iludido. Ele então luta por seus direitos em tribunais, como
se estes fossem um dos últimos resquícios da democracia moderna que eles
ajudaram a criar. A mensagem parece ser a seguinte: "Agora que as grandes
empresas mandam em tudo, vamos mostrar que esse poder tem limites". Foi por isso
que a história do cigarro no final do século 20 virou caso de tribunais.
Este livro tem uma ambição prosaica: tenta resumir a história do cigarro com
base nos conflitos entre a ciência e a indústria, entre o prazer e o risco.
Parte de fatos recentíssimos (a revelação de milhares de documentos secretos dos
fabricantes de cigarros nos EUA a partir dos anos 90, documentos estes
praticamente desconhecidos no Brasil), passeia pelos 40 anos de mentira da
indústria, retrata como nosso país entrou nessa briga, mostra que o
antitabagismo tem 500 anos e discute qual o futuro da droga que, ao lado da
cafeína, é a mais popular da história --ela seduz um quinto do planeta e tem
vendas de US$ 300 bilhões por ano.
*
"O
Cigarro"Autor: Mario Cesar Carvalho
Editora:
Publifolha
Páginas: 88
Quanto: R$ 17,90 (preço
promocional*)
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da
Livraria
da Folha